23 de maio de 2009

11. CULTO



Toda vez que eu abria os olhos para a luz da manhã e me dava conta de que havia
sobrevivido á outra noite eu me surpreendia. Depois que o efeito da surpresa passava, meu
coração começava a correr e as minhas palmas ficavam suadas; eu não conseguia realmente
respirar até que me levantava e me certificava de que Charlie havia sobrevivido também.
Eu podia dizer que ele estava preocupado - me vendo pular com qualquer som mais alto, ou
observando o meu rosto ficar branco por algum motivo que ele não podia ver. Pelas perguntas que
ele fazia de vez em quando, ele parecia culpar a longa ausência de Jake pela minha mudança.
O terror que geralmente nublava os meus pensamentos geralmente me distraía do fato de
que outra semana havia passado, e Jacob ainda não havia me ligado.
Mas quando eu era capaz de me concentrar na minha vida normal - se é que minha vida era
normal - isso me aborrecia.
Eu sentia falta dele horrivelmente.
Eu já estava mal o suficiente por estar sozinha antes de estar loucamente assustada.
Agora, mais do que nunca, eu sentia falta do seu sorriso livre e das suas risadas afetuosas.
Eu precisava sentir a sanidade da sua garagem e das mãos quentes dele nos meus dedos frios.
Eu meio que esperei que ele me ligasse na segunda. Se tivesse havido algum progresso com
Embry, ele não ia querer falar sobre isso comigo? Eu queria acreditar que era preocupação com o
amigo que estava ocupando o seu tempo, e não que ele simplesmente havia desistido de mim.
Eu liguei pra ele na terça, mas ninguem atendeu. As linhas telefônicas estavam com
problemas? Ou será que Billy havia instalado um identificador de chamadas?
Na quarta eu ligava a cada meia hora até as onze da noite, desesperada pra ouvir a voz
cálida de Jacob.
Na quinta eu sentei na minha caminhonete na frente de casa - com as portas travadas -
chaves na mão, por uma sólida hora. Eu estava discutindo comigo mesma, tentando justificar uma
rápida viagem á La Push, mas eu não consegui fazer isso.
Eu sabia que Laurent já devia ter voltado pra Victoria agora.
Se eu fosse á La Push, eu estaria correndo o risco de levá-los até lá. E se eles me pegassem
quando Jake estivesse por perto? Mesmo que isso me machucasse muito, eu sabia que era melhor
pra Jacob que ele estivesse me evitando. Mais seguro pra ele.
Ja era ruim o suficiente que eu não conseguisse pensar numa forma de salvar Charlie. A
noite era a hora mais provável pra que eles viessem procurar por mim, e o que era que eu diria
pra manter Charlie fora de casa? Se eu contasse a verdade pra ele, ele ia me trancar numa sala
pra loucos em algum lugar. Eu teria suportado isso - até dado as boas vindas - se isso pudesse
mantê-lo a salvo.
Mas Victória ainda viria á sua casa primeiro, procurando por mim. Talvez, se ela me
encontrasse aqui, isso seria suficiente pra ela.
Talvez ela simplesmente fosse embora quando tivesse acabado comigo.
Então eu não podia fugir. E mesmo se eu pudesse, pra onde eu iria?
Para a casa de Renée? Eu tremí com a idéia de jogar minhas sombras letais sobre a
segurança da casa da minha mãe, seu mundo ensolarado.
Eu nunca a colocaria num risco como esse.
A preocupação estava cavando um buraco no meu estômago. Em breve eu teria buracos que
se combinavam.
Naquela noite, Charlie me fez outro favor e ligou pra Harry pra saber se os Black estavam
fora da cidade.
Harry falou que Billy estava comparecendo ás reuniões do concelho nas quartas a noite, e
que nunca havia mencionado nada sobre sair da cidade.
Charlie me avisou pra não ficar pensando em loucuras - Jacob me ligaria quando tivesse a
oportunidade.
Sexta de tarde, enquanto eu dirigia pra casa da escola, uma coisa me bateu do nada.
Eu não estava prestando atenção na estrada familiar, deixando o som do motor paralisar
meus medos e silenciar meus medos, quando o meu subcosciente me deu o veredito no qual ele
já devia estar trabalhando a algum tempo sem o meu conhecimento.
Assim que eu pensei nisso, eu me sentí muito estúpida por não ter visto isso mais cedo.
Claro. Eu tinha muitas coisas na cabeça - vampiros obsecados por vingança, lobos mutantes
gigantes, um buraco crescente no meu peito - mas quando eu conferi as evidências, era
embaraçosamente óbvio.
Jacob me evitando. Charlie dizendo que ele parecia estranho, chateado... As respostas
vagas, que não ofereciam ajuda de Billy.
Santa mãe, eu sabia exatamente o que havia de errado com Jacob.
Era Sam Uley. Até os meus pesadelos estiveram tentando me dizer isso. Sam havia pego
Jacob.
O que quer que estivesse acontecendo com os garotos da reserva havia saído e capturado o
meu amigo. Ele foi puxado para o culto de Sam.
Ele não havia desistido de mim, eu me dei conta com uma onde de sentimentos.
Eu deixei minha caminhonete parada na frente da minha casa. O que eu devia fazer? Eu
pensei os perigos um contra o outro.
Se eu fosse procurar por Jacob, eu arriscava a chance de que Victória ou Laurent me
encontrassem com ele.
Se eu não fosse até ele, Sam o puxaria ainda mais pra dentro daquela luta, para aquela
gangue compulsíva. Talvez fosse tarde demais se eu não agisse logo.
Já havia se passado uma semana, e nenhum vampiro havia vindo procurar por mim ainda.
Uma semana era tempo mais que suficiente pra eles terem voltado, então talvez eu não fosse uma
prioridade.
Era mais provável, como eu já havia decidido antes, que eles viessem procurar por mim á
noite. As chances de eles me seguirem até La Push eram muito mais baixas do que as minhas
chances de perder Jacob pra Sam.
Valia a pena o perigo de me embranhar naquelas pistas cercadas de floresta. Essa não seria
uma visita qualquer pra ver como estavam as coisas. Essa era uma missão de resgate. Eu ia falar
com Jacob- sequestrar ele se fosse preciso.
Uma vez eu já ví um programa no canal PBS sobre como desprogramar as lavagens
cerebrais. Tinha que haver algum tipo de cura.
Eu decidí que era melhor ligar pra Charlie antes. Talvez o que quer que estivesse
acontecendo em La Push fosse uma coisa na qual a polícia devia estar envolvida.
Eu corrí pra dentro, na minha pressa de seguir o meu caminho.
Charlie mesmo atendeu o telefone da delegacia.
- Chefe Swan.
- Pai, é Bella.
- O que há de errado?
Eu não pude discutir com a suposição dele dessa vez. Minha voz estava tremendo.
- Eu estou preocupada com Jacob.
- Porque? - ele perguntou surpreso com o inesperado assunto.
- Eu acho... eu acho que tem alguma coisa errada acontecendo na reserva. Jacob me contou
sobre uma coisa estranha que anda acontecendo com os garotos da idade dele. Agora ele está
agindo da mesma forma, e eu estou preocupada.
- Que tipo de coisa? - Ele usou o seu tom profissional, policial. Isso era bom; ele estava me
levando a sério.
- Primeiro ele estava assustado, e depois ele estava me evitando, e agora... eu estou com
medo que ele esteja fazendo parte de uma gangue bizarra que há por lá, a gangue de Sam. A
gangue de Sam Uley.
- Sam Uley? - Charlie repetiu, surpreso de novo.
- Sim.
A voz de Charlie estava mais relaxada quando ele respondeu. - Eu acho que você entendeu
errado, Bells. Sam Uley é um ótimo garoto. Bem, ele é um ótimo homem agora. Um bom filho.
Você devia ouvir Billy falando sobre ele. Ele realmente está fazendo maravilhas com a juventude
de lá da reserva. Foi ele quem - Charlie parou na metade da frase, e eu tive a sensação de que ele
ia se referir á aquela noite que eu me perdí na floresta. Eu mudei de assunto rapidamente.
- Pai, não é bem assim. Jacob estava com medo dele.
- Você falou com Billy sobre isso? - Ele estava tentando me amaciar agora. Eu havia perdido
ele no momento que mencionei Sam.
- Billy não está preocupado.
- Bem, Bella, então eu tenho certeza de que está tudo bem. Jacob é um garoto;
provavelmente ele só está se divertindo. Eu tenho certeza de que ele está bem. Afinal de contas,
ele não pode passar todos os minutos do dia conversando com você.
- Isso não é sobre mim - eu insistí, mas a batalha já estava perdida.
- Eu não acho que você precise se preocupar com isso. Deixe Billy tomar conta de Jacob.
- Charlie... - minha voz estava começando a soar patética.
- Bella, eu tenho muitas coisas pra fazer agora. Dois turistas desapareceram na trilha perto
do lago - havia uma pontada de ansiosidade crescente. - O problema com esse lobo já está saindo
do controle.
Eu fiquei momentâneamente distraída - abismada, na verdade - com a notícia dele. Havia
jeito de aqueles lobos terem saído ganhando de uma batalha com Laurent...
- Você tem certeza de que foi isso que aconteceu com eles? - eu perguntei.
- Eu temo que sim, querida. Haviam - Ele hesitou. - Haviam algumas marcas de novo, e...
um pouco de sangue dessa vez.
- Oh! - Então não deve ter havido um confronto. Laurent deve ter simplesmente despistado
os lobos, mas porque? O que eu havia visto na clareira só ficava mais e mais estranho - mais
impossível de entender.
- Olha, eu realmente tenho que ir. Não se preocupe com Jake, Bella. Eu tenho certeza de
que não é nada.
- Tá - eu disse curtamente, frustrada pelas palavras dele que me lembraram da crise mais
urgente no momento. – Tchau - eu desliguei.
Eu olhei para o telefone por um momento. Que diabos, eu decidí.
Billy atendeu depois de dois toques.
- Alo?
- Oi, Billy - eu quase rosnei. Eu tentei falar mais amigavelmente quando continuei. - Será
que eu podsso falar com Jacob, por favor?
- Jake não está aqui.
Que surpresa. - Você sabe onde ele está?
- Ele saiu com os amigos - a voz de Billy era cuidadosa.
- Ah, é? Alguém que eu conheça? Quil? - eu podia dizer que as palavras não estavam saindo
tão casualmente quanto eu havia planejado.
- Não - Billy disse devagar. - Eu não acho que ele esteja com Quil hoje.
Eu sabia que não devia mencionar o nome de Sam.
- Embry? - eu perguntei
Billy pareceu mais feliz ao responder essa. - É, ele está com Embry.
Isso era o suficiente pra mim. Embry era um deles.
- Bem, peça pra ele me ligar assim que ele chegar, está bem?
- Claro, claro. Sem problema. - Click
- A gente se vê em breve, Billy - eu murmurei para o telefone mudo.
Eu dirigi pra La Push determinada a esperar. Eu ia ficar sentada na frente da casa dele a
noite inteira se precisasse. Eu faltaria a escola.
O garoto ia ter que voltar alguma hora, e quando ele voltasse, ele ia ter que falar comigo.
Minha mente estava tão preocupada que a viagem que eu estava com tanto medo de fazer
só durou alguns segundos.
Antes do que eu esperava, a floresta começou a diminuir, e eu sabia que em breve eu seria
capaz de ver as primeiras pequenas casas da reserva.
Caminhando, no lado esquerdo da estrada, havia um garoto alto com um boné de baseball.
Minha respiração ficou presa por um momento na minha garganta, esperançosa que a sorte
estivesse comigo pela primeira vez, e que eu tivesse cruzado o caminho de Jacob sem maiores
dificuldades. Mas esse garoto era largo demais, e o cabelo era curto embaixo do boné.
Mesmo estando atrás dele, eu tinha certeza de que era Quil, apesar de ele estar maior do
que da última vez que eu o vi. O que era que esses garotos Quileute tinham? Será que eles
estavam sendo alimentados com algum tipo de hormônio experimental de crescimento?
Eu atravessei para o lado errado da estrada pra me aproximar dele.
Ele olhou pra cima quando o ronco da minha caminhonete se aproximou.
A expressão de Quil me assustou mais do que me surpreendeu. O rosto dele estava apático,
pensativo, a testa dele estava enrrugada de preocupação.
- Oh, oi, Bella - ele me cumprimentou sem vontade.
- Oi, Quil... Você está bem?
Ele me encarou sombrio. - Bem.
- Eu posso te dar um carona pra algum lugar? - eu oferecí.
- Claro, eu acho - ele murmurou. Ele se arrastou pela frente da caminhonete e abriu a porta
do passageiro pra entrar.
- Pra onde?
- Minha casa é para o lado norte, lá atrás das lojas - ele me disse.
- Você viu Jacob hoje? - A pergunta escapou quase antes que ele tivesse terminado de falar.
Eu olhei pra Quil ansiosamente, esperando pela sua resposta. Ele olhou pra fora pelo
parabrisa por um instante antes de responder.
- De longe - ele disse finalmente.
- De longe? - eu repetí.
- Eu tentei seguir eles, ele estava com Embry. - A voz dele estava baixa, difícil de ouvir com
o barulho do motor. Eu me inclinei mais pra perto. - Eu sei que eles me viram. Mas eles se viraram
e desapareceram no meio das árvores. Eu não acho que eles estavam sozinhos, eu acho que Sam
e o bando dele deve ter estado com eles. Eu estive enfiado na floresta por mais de uma hora,
gritando por eles. Eu tinha acabado de chegar na estrada quando você apareceu.
- Então Sam pegou ele. - As palavras sairam um pouco distorcídas, meus dentes estavam
trincados.
Quil me encarou. - Você sabe sobre isso?
Eu balancei a cabeça. - Jacob contou pra mim... antes.
- Antes - Quil repetiu e suspirou.
- Jacob está tão mal quando os outros agora?
- Nunca sai de perto de Sam - Quil virou a cabeça pra o lado e cuspiu pela janela aberta.
- E antes disso, ele já evitava as pessoas? Ele estava agindo estranho?
A voz dele estava baixa e áspera. - Não por tanto tempo quanto os outros. Talvez um dia. E
aí Sam pegou ele.
- O que você acha que é? Drogas ou alguma coisa assim?
- Eu não consigo imaginar Jacob e Embry se envolvendo numa coisa assim... mas o que é
que eu sei? O que mais pode ser? E porque as outras pessoas não estão preocupadas? - Ele
balançou a cabeça, e o medo aparecia nos olhos dele agora.
- Jacob não queria fazer parte desse... culto. Eu não entendo o que poderia ter feito ele
mudar. - Ele me encarou, o rosto dele estava assustado.
- Eu não quero ser o próximo.
Os meus olhos imitaram o medo dos dele. Essa era a segunda vez que eu ouvia aquilo ser
descrevido como um culto. Eu tremi. - Os seus pais são de alguma ajuda?
Ele fez uma careta. - Certo. Meu avô faz parte do concelho com o pai de Jacob. Até onde ele
está informado, Sam Uley é a melhor coisa que já aconteceu pra esse lugar.
Nós olhamos um pro outro por um momento prolongado. Nós estávamos em La Push agora,
e minha caminhonete mal andava na estrada vazia. Eu podia ver a única loja da vila não muito
distante á frente.
- Eu vou sair agora - Quil disse. - Minha casa é bem alí. - Ele fez um gesto para um pequeno
retângulo de madeira atrás da loja. Eu parei perto da calçada e ele desceu.
- Eu vou esperar por Jacob - eu disse pra ele com uma voz dura.
- Boa sorte - ele bateu a porta e caminhou em frente na estrada, a cabeça caída pra frente,
os ombros baixos.
O rosto de Quil me assombrou enquanto eu fazia uma curva em U e voltava para a casa dos
Black. Ele estava morrendo de medo de ser o próximo. O que estava acontecendo aqui?
Eu parei na frente da casa de Jacob, desligando o motor e abrindo as janelas. Era um dia
mormacento, sem brisa. Eu coloquei os meus pés no painel e me preparei pra esperar.
Um movimento me chamou a atençao pela minha visão periférica e eu vi Billy olhando pra
mim pela janela com uma expressão confusa.
Eu acenei uma vez e dei um sorriso duro, mas fiquei onde eu estava.
Os olhos dele se estreitaram; ele deixou a cortina cobrir o vidro.
Eu estava preparada pra esperar o tempo que fosse, mas eu desejei ter alguma coisa pra
fazer. Eu peguei uma caneta no fundo da minha mochila, e um velho teste. Eu comecei a fazer
desenhos no fundo do papel.
Eu só tive tempo de desenhar uma fileira de diamantes quando houve uma batida aguda na
janela da minha porta.
Eu pulei, olhando pra cima, esperando Billy.
- O que você está fazendo aqui, Bella? - Jacob rosnou.
Eu encarei ele pasma de surpresa.
Jacob tinha mudado radicalmente nas ultimas semanas em que eu não o vi. A primeira coisa
na qual eu reparei foi o seu cabelo - o lindo cabelo dele tinha ido todo embora, foi cortado curto,
cobrindo a cabeça dele com um cabelo acetinado de uma cor que parecia ser tinta preta.
As maçãs do rosto dele pareciam ter endurecido subitamente, se apertado... envelhecido. O
pescoço e os ombros dele estava diferentes também, de alguma forma, estavam grossos demais.
As mãos dele, onde elas estavam agarradas na janela, pareciam enormes, com os tendões e
as veias ainda mais proeminentes embaixo da pele cor de cobre.
Mas diferenças físicas eram insignificantes.
Foi a expressão do rosto dele que o tornou praticamente irreconhecível. O sorriso aberto,
amigável, havia desaparecido como o cabelo, a calidez dos olhos dele havia sido substituído por
um ressentimento que era instantaneamente pertubador. Havia uma obscuridade em Jacob agora.
Como se o meu Sol tivesse emplodido.
- Jacob? - eu sussurrei.
Ele me encarou, seus olhos tensos e raivosos.
Eu me dei conta de que não estávamos sozinhos. Atrás dele haviam quatro outros; todos
altos e com peles cor de cobre, com cabelos pretos cortados como os de Jacob. Eles podiam ser
irmãos - eu nem conseguia identificar Embry no grupo. A semelhança só se intesificava pelo
mesmo olhar de hostilidade em todos os pares de olhos.
Todos os pares menos um. O mais velho por muitos anos, Sam estava bem atrás, com o
rosto sereno e seguro. Eu tive que engolir o ódio que me subia a garganta. Eu queria acabar com
ele. Não, eu queria fazer mais que isso. Mais do que qualquer coisa, eu queria ser cruel e mortal,
uma pessoa com a qual ninguém ousaria se meter. Alguém que assustaria até o bobão do Sam
Uley.
Eu queria ser uma vampira.
O desejo violento me pegou de surpresa e me deixou sem ar. Esse era o mais proibido de
todos os desejos - mesmo quando eu só o queria pra propósitos maléficos como esse, pra ganhar
vantagem sobre o inimigo - porque ele era o desejo mais doloroso. Esse era um futuro perdido pra
sempre pra mim, ele nunca nem sequer esteve ao meu alcance. Eu lutei pra ganhar controle sobre
mim mesma enquanto o buraco do meu peito doía.
- O que você quer? - Jacob quis saber, a expressão dele estava ficando mais ressentida
enquanto observava as emoções passando pelo meu rosto.
- Eu quero falar com você - eu disse com uma voz fraca. Eu tentei me focar, mas eu ainda
estava lutando contra os tabus do meu sonho.
- Vá em frente - ele assobiou por entre os dentes. O olhar dele era violento. Eu nunca havia
visto ele olhar pra ninguém daquele jeito, muito menos pra mim.
Isso me machucou com uma intensidade surpreendente - uma dor física, uma dor na minha
cabeça.
- Sozinha! - eu assobiei e minha voz saiu mais forte.
Eu olhei pra trás dele, e eu sabia pra onde os olhos dele iriam. Todos se viraram pra ver a
reação de Sam.
Sam balançou a cabeça uma vez, seu rosto despreocupado. Ele fez um breve comentário
numa linguagem líquida, não familiar - eu só tinha certeza de que não era Francês nem Espanhol,
mas eu imaginei que fosse a língua dos Quileute. Ele se virou e caminhou para a casa de Jacob.
Os outros - Paul, Jared e Embry, eu presumí, seguiram ele.
- Ok - Jacob disse um pouco menos furioso quando os outros tinham ido embora. O rosto
dele estava um pouco mais calmo, mas também mais desesperançado. A boca dele parecia
permanentemente curvada pra baixo.
Eu respirei fundo. - Você sabe o que eu quero saber.
Ele não respondeu. Ele só olhou pra mim acidamente.
Eu encarei de volta e o silêncio se prolongou. A dor no rosto dele me deixou enervada. Eu
sentí um caroço começando a aparecer na minha garganta.
- Nós podemos conversar? - eu perguntei enquanto ainda conseguia falar.
Ele não respondeu de nenhum jeito; o rosto dele não mudou.
Eu saí do carro, sentindo olhos que eu não podia ver nas janelas atrás de mim, e eu comecei
a andar na direção das árvores ao norte. Meu pé fazia barulho na grama molhada e na lama ao
lado da pista, e, como esse era o único som, no início eu achei que ele não estava me seguindo.
Mas quando eu olhei ao meu redor, ele estava ao meu lado, os pés dele de alguma forma faziam
muito menos barulho do que os meus.
Eu me sentí melhor no esconderijo das árvores, onde não era possível que Sam estivesse
nos observando. Enquanto caminhávamos, eu lutei pra encontrar a coisa certa pra dizer, mas eu
não pensei em nada. Eu só ficava cada vez mais e mais com raiva por Jacob ter sido puxado para
aquilo... e por Billy ter permitido isso... e por Sam estar passando por aquilo tudo tão calmamente
e seguro...
Jacob de repente aumentou o passo, ficando na minha frente com facilidade com suas
pernas longas, e então ele se virou pra me encarar, se plantando na minha frente pra que eu
tivesse que parar também.
Eu me distraí com a graciosidade do seu movimento. Jacob era quase tão desengonçado
quanto eu por causa do seu crescimento sem fim. Quando foi que isso mudou?
Mas Jacob não me deu tempo de pensar nisso.
- Vamos acabar logo com isso - ele disse com uma voz dura, ríspida.
Eu esperei. Ele sabia o que eu queria.
- Não é o que você está pensando. - A voz dele estava repentinamente cautelosa. - Não era
o que eu pensava, eu estava totalmente errado.
- Então o que é?
Ele estudou o meu rosto por um longo momento, especulando. A raiva nunca abandonou
completamente os seus olhos. - Eu não posso te contar - ele disse.
Minha mandíbula se comprimiu, e eu falei por entre os dentes. - Eu pensei que fôssemos
amigos.
- Nós éramos - houve uma pequena ênfase no tempo passado.
- Mas você não precisa mais de amigos - eu disse acidamente. - Você tem Sam. Isso é legal,
você sempre gostou tanto dele.
- Eu não o entendia antes.
- E agora você vui a luz. Aleluia.
- Não é como eu pensava que era. Isso não é culpa de Sam. Ele está me ajudando como
pode. - A voz dele se tornou frágil e ele olhou por cima da minha cabeça, passando por mim, a
raiva queimando nos olhos dele.
- Ele está te ajudando - eu repetí duvidosamente. – Naturalmente.
Mas Jacob não parecia estar escutando. Ele estava respirando profundamente, de propósito,
tentando se acalmar. Ele estava com tanta raiva que as mãos dele estavam tremendo.
- Jacob, por favor - eu sussurrei. - Você não vai me contar o que aconteceu? Talvez eu
possa ajudar.
- Ninguém pode me ajudar agora. - As palavras eram um gemido baixo; a voz dele se partiu.
- O que ele fez com você? - eu quis saber, as lágrimas se aglomeraram nos meus olhos. Eu
tentei tocá-lo, como já tinha feito antes, me movendo para a frente com os braços abertos.
Dessa fez ele se afastou, segurando as mãos pra cima num gesto de defesa. - Não me toque
- ele sussurrou.
- Sam está olhando? - eu cochichei. As lágrimas estúpidas haviam escapado pelos cantos dos
meus olhos. Eu as afastei com as costas da minha mão, e cruzei meus braços no peito.
- Pare de culpar Sam. - As palavras sairas rápidas, como um reflexo.
As mãos dele se levantaram pra mexer no cabelo que não estava mais lá, e então cairam
nos seus lados.
- Então quem é que eu devo culpar? - eu retorqui.
Ele deu um meio sorriso; era uma coisa vazia, torta.
- Você não quer ouvir isso.
- Não quero é o diabo! - eu disparei. - Eu quero saber, e eu quero saber agora.
- Você está errada - ele disparou de volta.
- Não ouse dizer que eu estou errada, não fui eu quem sofreu uma lavagem cerebral! Me
diga agora de quem é a culpa, se ela não é do seu precioso Sam!
- Você pediu por isso - ele rosnou pra mim, seus olhos brilhavam duramente. - Se você quer
culpar alguém, porque você não aponta o dedo para aqueles bebedores de sangue nojentos,
fedorentos que você ama tanto?
Minha boca se abriu e minha respiração saiu com um som parecido com whooshing. Eu
fiquei congelada no lugar, esfaqueada com as palavras dele. A dor atravessou meu corpo de uma
forma já conhecida, o buraco denteado se abriu me rasgando por dentro, mas em segundo lugar,
houve a música de fundo dos meus pensamentos caóticos. Eu não podia acreditar que havia o
ouvido corretamente. Não havia nenhum traço de indecisão no rosto dele. Só fúria.
Minha boca ainda estava escancarada.
- Eu te disse que você não ia querer ouvir - ele disse.
- Eu não entendo o que você quer dizer - eu cochichei.
Ele ergueu uma sobrancelha em descrença. - Eu acho que você entende exatamente o que
eu quero dizer. Você não vai me fazer dizer, vai? Eu não gosto de te machucar.
- Eu não entendo o que você quer dizer - eu disse mecanicamente.
- Os Cullen - ele disse lentamente, sublinhando a palavra, estudando meu rosto enquanto ele
falava isso. - Eu ví isso, eu posso ver nos seus olhos o que acontece com você quando eu digo o
nome deles.
Eu balancei minha cabeça pra frente e pra trás negando, tentando limpá-la ao mesmo
tempo. Como era que ele sabia disso? E como era que isso tinha alguma coisa a ver com o culto
de Sam? Essa era uma gangue de odiadores de vampiros? Qual era a necessidade de se formar
uma sociedade como essa se já não existiam mais vampiros em Forks? Porque Jacob começaria a
acreditar nas histórias sobre os Cullen agora, justo quando as evidencias haviam ido embora, pra
nunca mais voltar?
Eu levei um segundo pra pensar na resposta correta. - Não me diga que você começou a
acreditar nas histórias sem sentido de Billy agora - eu disse com uma fraca tentativa de ser
divertida.
- Ele sabe mais do que eu pensava.
- Jacob, fale sério.
Ele me encarou, os olhos críticos.
- Colocando as superstições de lado - eu disse rapidamente. - Eu ainda não vejo porque você
está acusando... os Cullen - estremecimento - por isso. Eles foram embora a mais de meio ano.
Como é que você pode culpar eles pelo que Sam está fazendo agora?
- Sam não está fazendo nada, Bella. E eu sei que eles foram embora. Mas as vezes... as
coisas acontecem em cadeia, e então é tarde demais.
- O que aconteceu em cadeia? O que é tarde demais? Do que você os está culpando?
Ele olhou de repente direto pra o meu rosto, a fúria dele estava brilhando nos olhos. - Por
existir - ele assobiou.
Eu fiquei surpresa e destraída quando as palavras de aviso na voz de Edward vieram de
novo, quando eu nem estava assustada.
- Quieta agora, Bella. Não force ele - Edward me precaviu no meu ouvido.
Desde que o nome de Edward havia escapado pelas paredes que eu construí
cuidadosamente pra prendê-lo, eu não fui mais capaz de prendê-lo novamente. Não me
machucava agora - não durante os preciosos segundos que eu podia ouvir a voz dele.
Jacob estava esfumaçando na minha frente, tremendo de raiva.
Eu não entendí porque as alucinações de Edward haviam aparecido inesperadamente na
minha cabeça
Não havia adrenalina, não havia perigo.
- Dê uma chance pra ele se acalmar - a voz de Edward insistiu.
Eu balancei a minha cabeça confusa. - Você está sendo ridículo - eu disse para os dois.
- Tá - Jacob respondeu, respirando profundamente de novo. - Eu não vou discutir com você.
De qualquer forma não importa, o estrago está feito.
- Que estrago?
Ele não se mexeu enquanto eu gritava as palavras no rosto dele.
- Vamos voltar. Não há mais nada a dizer.
Eu asfixiei. - Há tudo mais a dizer! Você não me disse nada ainda!
Ele caminhou passando por mim, voltando para a direção da casa.
- Eu esbarrei em Quil hoje - eu gritei atrás dele.
Ele parou no meio de um passo, mas não se virou.
- Você se lembra do seu amigo, Quil? Pois é, ele está morto de medo.
Jacob se virou pra me encarar. A expressão dele estava dolorida.
- Quil - foi tudo o que ele disse.
- Ele está preocupado com você também. Ele está ficando louco.
Jacob olhou por cima de mim com olhos desesperados.
Eu o aticei mais ainda. - Ele está com medo de ser o próximo.
Jacob se segurou numa árvore pra ter apoio, o rosto dele ficando de um estranho tom verde
embaixo da superfície marrom avermelhada.
- Ele não será o próximo - Jacob murmurou pra sí mesmo. - Ele não pode ser. Está acabado
agora. Isso não devia estar acontecendo. Porque? Porque?. - O punho dele se chocou na árvore.
Não era uma árvore grande, mais fina e só um pouco mais alta que Jacob. Mas eu ainda fiquei
surpresa quando o tronco cedeu e caiu com o golpe dele.
Jacob olhou para o ponto afiado, quebrado que havia sofrido o choque e rapidamente ficou
horrorizado.
- Eu tenho que ir. - Ele se virou e foi embora tão rapidamente que eu tive que correr para
acompanhar.
- Voltar pra Sam!
- Essa é uma forma de ver as coisas - parecia que ele estava falando sério. Ele estava
murmurando e olhando em frente.
Eu o segui até a caminhonete. - Espere! - eu chamei quando ele se virou na direção da casa.
Ele se virou pra me encarar de novo, e eu ví que as mãos dele estavam tremendo de novo.
- Vá pra casa, Bella. Eu não posso mais andar com você.
Essa dor boba, inconsequente era incrivelmente poderosa.
As lágrimas apareceram de novo. - Você está... terminando comigo? - As palavras eram
todas erradas, mas elas eram as melhores nas quais eu conseguia pensar para frasear o que eu
queria perguntar. Afinal, o que eu e Jake tínhamos era mais que um romance de escola. Era mais
forte.
Ele comprimiu uma risada ácida. - Dificilmente. Se esse fosse o caso eu diria 'Vamos ser
amigos'. Mas eu nunca poderia dizer isso.
- Jacob... porque? Sam não te deixa ter outros amigos? Por favor, Jake. Você prometeu. Eu
preciso de você!
O significante vazio que havia na minha vida antes - antes de Jacob trazer um pouco de
razão pra dentro dela - voltou e me confrontou.
A solidão apertou minha garganta.
- Eu lamento, Bella - Jacob disse cada palavra distintamente com uma voz fria que não
pertencia a ele.
Eu não acreditava que era mesmo isso que Jacob queria dizer. Parecia que havia algo mais
tentando ser dito através de seus olhos raivosos, mas eu não conseguia entender a mensagem.
Talvez isso não tivesse nada a ver com Sam. Talvez isso não tivesse nada a ver com os
Cullen. Talvez ele só estivesse tentando se salvar dessa situação sem esperança. Talvez eu
devesse dizer que ele fizesse isso, se isso era o melhor pra ele. Eu devia fazer isso. Era o certo.
Mas eu ouvi minha voz escapando num sussurro.
- Eu lamento que eu não pude... antes... Eu queria poder mudar o que eu sinto por você,
Jacob. - Eu estava desesperada, tentando alcançar, esticando a verdade até que ela quase se
tornou uma mentira. - Talvez... talvez eu mudasse - eu sussurrei. - Talvez se você me desse
algum tempo... só não desista de mim agora, Jake. Eu não vou suportar.
O rosto dele passou de raiva para agonia num segundo. Uma mão tremendo se aproximou
de mim.
- Não. Não pense assim, Bella, por favor. Não se culpe, não pense que é sua culpa. Isso é
tudo minha culpa. Eu juro, não tem nada a ver com você.
- Não é você, sou eu - eu sussurrei. - É outra.
- Eu falo sério, Bella. Eu não estou... - ele relutou, sua voz ficando ainda mais rouca
enquanto ele lutava pra controlar suas emoções. Seus olhos estavam torturados. - Eu já não sou
mais bom o suficiente pra ser seu amigo, ou nada mais. Eu não sou mais quem era antes. Eu não
sou bom.
- O que? - eu encarei ele, confusa e apática. - O que você está dizendo? Você é muito
melhor do que eu, Jake. Você é bom! Quem disse que você não é? Sam? Ele é um mentiroso,
Jacob! Não deixe que ele te diga isso! - de repente eu estava gritando de novo.
O rosto de Jacob ficou duro e vazio. - Ninguém me disse nada. Eu sei o que sou.
- Você é meu amigo, é isso que você é! Jake, não!
Ele estava dando as costas pra mim.
- Eu lamento, Bella - ele disse de novo; dessa vez era um murmúrio partido. Ele se virou e
quase correu para a casa.
Eu fiquei incapacitada de me mover de onde eu estava. Eu olhei para a pequena casa; ela
perecia muito pequena para os quatro garotos grandes e os dois homens ainda maiores.
Não houve reação do lado de dentro. Nenhuma flutuação nas beiras da cortina, nenhum som
de vozes eu de movimento. Ela parecia vazia.
A chuva começou em chuviscos, fazendo cócegas onde tocavam a minha pele. Eu não
conseguia tirar os meus olhos da casa. Jacob voltaria. Ele tinha que voltar.
A chuva aumentou, o vento também. As gotas já não caiam mais de cima; elas vinham num
ângulo que vinha do oeste. Eu sentia o cheiro da brisa que vinha do mar. Meu cabelo batia no
meu rosto, grudando nos lugares molhados e fazendo cócegas nos meus cílios. Eu esperei.
Finalmente a porta se abrui, eu dei um passo pra frente aliviada.
Billy rodou a sua cadeira pra frente até a entrada da porta. Eu não via ninguém atrás dele.
- Charlie acabou de ligar, Bella. Eu disse pra ele que você estava voltando pra casa. - Os
olhos dele estavam cheios de piedade.
De alguma forma a piedade foi o fim pra mim. Eu não comentei. Eu só me virei como um
robô e entrei na minha caminhonete.
Eu tinha deixado as janelas abertas e os bancos estavam escorregadios e molhados. Eu não
me importei. Eu já estava ensopada.
Não tão ruim, não tão ruim! minha mente tentou me confortar.
Era verdade. Isso não era tão ruim. Esse não era o fim do mundo, não novamente. Isso era
só o fim do pequeno pedaço que havia sido deixado pra trás. Só isso.
Não é tão ruim, eu concordei, e então acrescentei Mas é ruim o suficiente.
Eu achei que Jake estava curando o buraco dentro de mim - ou pelo menos juntando as
partes, evitando que isso me machucasse tanto.
Eu estava errada. Ele só estava cavando seu próprio buraco, então agora eu estava
esburacada como queijo suísso. Eu me perguntei porque não me espatifava em pedaços.
Charlie estava esperando por mim na porta. Enquanto eu parava o carro, ele veio me
encontrar.
- Billy ligou. Ele disse que você estava brigando com Jake, ele disse que você estava brava -
ele explicou enquanto abria a porta pra mim.
Então ele olhou pra mim. Uma espécie de reconhecimento horrorizado se registrou no rosto
dele. Eu tentei sentir meu rosto de dentro pra fora, pra saber o que ele estava vendo. Meu rosto
parecia vazio e frio, e eu me dei conta do que isso lembrava ele.
- Não foi exatamente isso que aconteceu - eu murmurei.
Charlie colocou seu braço ao meu redor e me ajudou a sair do carro. Ele não comentou as
minhas roupas ensopadas.
- Então o que aconteceu? - ele perguntou quando estavamos do lado de dentro. Ele puxou a
manta que ficava atrás do sofá enquanto falava e a colocou nos meus ombros. Eu me dei conta de
que ainda estava tremendo.
Minha voz estava sem vida. - Sam Uley disse que eu e Jacob não podemos mais ser amigos.
Charlie me deu uma olhada estranha. - Quem te disse isso?
- Jacob - eu disse, apesar de não ter sido exatamente isso o que ele disse. Ainda era
verdade.
As sobrancelhas de Charlie se juntaram. - Você realmente acha que tem alguma coisa errada
com aquele garoto Uley?
- Eu sei que tem. Porém, Jacob não quis me falar sobre isso.
Eu podia ouvir a água das minhas roupas pingando no chão e fazendo barulho na madeira. -
Eu vou trocar de roupa.
Charlie estava perdido em seus pensamentos. – Ok - ele disse ausentemente.
Eu resolví tomar um banho antes porque estava com frio, mas a água quente não pareceu
afetar a temperatura do meu corpo. Eu ainda estava congelando quando desistí e desliguei a
água. No silêncio repentino, eu podia ouvir Charlie falando com alguém lá embaixo. Eu me cobrí
com uma toalha e saí do banheiro.
A voz de Charlie estava raivosa. - Eu não vou acreditar nisso. Isso não faz o mínimo sentido.
Tudo ficou quieto aí, e eu me dei conta de que ele estava no telefone. Um minuto se passou.
- Não culpe Bella por isso! - Charlie gritou de repente.
Eu pulei. Quando ele falou de novo, sua voz estava cuidadosa e mais baixa. - Bella deixou
muito claro o tempo inteiro que ela e Jacob eram apenas amigos... Bem, se era isso, então porque
você não disse isso antes? Não, Billy, eu acho que ela está certa nisso... Porque eu conheço a
minha filha, e se ela diz que Jacob estava assustado antes - ele parou no meio da frase, e quando
recomeçou estava quase gritando de novo. - O que você quer dizer com eu não conheço minha
filha tão bem quanto penso que conheço! - Ele escutou por um breve segundo, e a resposta dele
foi quase baixa demais pra que eu ouvisse. - Se você pensa que eu vou fazer ela se lembrar
daquilo, é melhor você pensar de novo. Ela está apenas começando a lidar com aquilo, e em
grande parte por causa de Jacob, eu acho. Se o que quer que Jacob estava fazendo com esse tal
de Sam vai fazer ela voltar pra a aquela depressão, então Jacob terá que responder por isso. Você
é meu amigo, Billy, mas isso é machucar a minha família.
Houve outra pausa pra Billy responder.
- Você entendeu direito, se esses garotos colocarem um dedo fora da linha eu vou saber.
Nós estamos mantendo um olho na situação, você pode ter certeza. - Ele não era mais Charlie; ele
era o Chefe Swan agora.
- Tá. É. Tchau - O telefone bateu no receptor.
Eu andei na ponta dos pés rapidamente até o meu quarto. Charlie estava murmurando com
raiva na cozinha.
Então Billy ia me culpar. Eu estava incentivando Jacob e ele finalmente ficou de saco cheio.
Era estranho, pois eu mesma temia isso, mas depois da última coisa que Jacob disse essa
tarde, eu não acreditava mais nisso. Havia muito mais envolvido nisso do que uma paixonite não
correspondida, e me surpreendia que Billy disesse que se tratava disso. Isso me fez pensar que
qualquer que fosse o segredo que ele estava escondendo, era muito maior do que eu imaginava.
Pelo menos Charlie estava do meu lado agora.
Eu coloquei o meu pijama e me arrastei para a cama. A cama parecia tão escura no
momento que eu me deixei trapacear. O buraco - buracos agora - já estava doendo, então porque
não? Eu coloquei pra fora - não a memória verdadeira que me machucaria demais, mas a memória
falsa da voz de Edward na minha cabeça essa tarde - e a toquei de novo e de novo na minha
cabeça, até que eu peguei no sono com lágrimas descendo calmamente pelo meu rosto vazio.
Havia um sonho novo essa noite. A chuva estava caindo e Jacob estava andando
silenciosamente ao meu lado, mas embaixo dos meus pés, o chão parecia estar cheio de gravetos
de quebrando.
Mas ele não era o meu Jacob; ele era um novo, ácido e gracioso. A graciosidade do seu
caminhado me lembrou de outra pessoa, e, enquanto eu observava, o rosto dele começou a
mudar. A pele cor de cobre foi embora, deixando o seu rosto pálido como papel. Os olhos dele
ficaram dourados, depois vermelhos, depois dourados de novo. O cabelo dele mudava com a
brisa, ficando cor de bronze quando o vento o tocava. O rosto dele ficou tão lindo que fez meu
coração disparar. Eu tentei me aproximar dele, mas ele deu um passo pra trás, erguendo a mão
como um escudo. E então Edward desapareceu.
Eu não tinha certeza, quando me acordei na escuridão, se eu estava começando a chorar, ou
se estive chorando durante o sonho e simplesmente continuava agora.
Eu olhei para o meu teto escuro.
Eu podia sentir que esse era o meio da noite - eu ainda estava meio adormecida, talvez
fosse mais que a metade.
Eu fechei meus olhos cautelosamente e rezei por um sono sem sonhos.
Foi aí que eu escutei o barulho que deve ter me acordado no começo.
Alguma coisa afiada arranhou o vidro da minha janela com um barulho agudo e alto, como
unhas na janela.

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