28 de abril de 2009

16. PÁRIS



Nesse momento, minha cabeça atingiu a superfície.
Que desorientador. Eu tinha certeza que estava afundando.
A corrente não puxaria pra cima. Ela estava me jogando contra as rochas; elas batiam no
centro das minhas costas asperamente, ritmadamente, expulsando a água dos meus pulmõs. Eu
cuspí um imenso volume, haviam correntes de água brotando da minha boca e do meu nariz.
O sal queimava e meus pulmões ardiam e minha garganta estava cheia de água demais pra
me deixar respirar, e as rochas machucavam minhas costas. De alguma forma eu fiquei parada em
um só lugar, apesar das ondas ainda estarem batendo em mim. Eu não conseguia ver nada além
da água em todo lugar, alcançando o meu rosto.
- Respire! - a voz, selvagem de ansiedade, ordenou, e eu sentí uma cruel facada de dor
quando eu reconhecí a voz - porque ela não era de Edward.
Eu não consegui obedecer. A cascata de água que saía da minha boca ainda não havia
diminuido o suficiente pra me deixar respirar. A água preta, gelada enchia meu peito, me
queimando.
A rocha bateu nas minhas costas de novo, bem no meio dos meus ombros, e outra onda de
água me asfixiou quando saiu dos meus pulmões.
- Respire, Bella! Vamos! - Jacob implorou.
Pontos pretos atravessaram minha visão, ficando maiores e maiores, bloqueando a luz.
A rocha me atingiu de novo.
A rocha não era fria como a água; ela era quente na minha pele. Eu me dei conta de que era
a mão de Jacob, tentando bater a água pra fora dos meus pulmões. A barra de aço que havia me
arrastado de dentro do mar também era... quente... Minha cabeça rodou, os pontos pretos
cobriam tudo....
Então eu estava morrendo de novo? Eu não gostei disso - isso não foi tão bom quanto da
última vez. Agora estava apenas escuro, não havia nada que valesse a pena olhar aqui. O som das
ondas desapareceu na escuridão e se tornou um whoosh silencioso, uniforme que parecia estar
vindo de dentro dos meus ouvidos...
- Bella? - Jacob perguntou, a voz dele ainda estava tensa, mas não tão selvagem quanto
antes. - Bells, querida, você pode me ouvir?
Os conteúdos na minha cabeça se reviraram e rolaram de forma doentia, como se tivessem
se misturado com a água...
- Por quanto tempo ela esteve insconsciente? - alguém mais perguntou.
A voz que não era de Jacob me chocou, me deixou mais focada na consciencia.
Eu me dei conta de que estava rígida. Não havia nenhum sinal da corrente sobre mim - as ondas
estavam dentro da minha cabeça.
A superfície embaixo de mim era plana e estava imóvel. Ela pareceu áspera nos meus braços
nus.
- Eu não sei - Jacob informou, ainda frenético. A voz dele estava muito próxima. As mãos
dele, tão quentes que tinham que ser dele, tirou o cabelo molhado do meu rosto. - Alguns
minutos? Eu não demorei muito pra seguir ela até a praia.
O quieto whoosh dentro dos meus ouvidos não era o das ondas - era o ar se movendo pra
dentro e pra fora dos meus pulmões de novo.
Cada respiração queimava - os canais de passagem estavam parecendo em carne viva, como
se eu os tivesse esfregado com lã de aço.
Mas eu estava respirando.
E eu estava congelando. Um milhão de pequenos pedaços de gelo, afiados, estavam
passando pelo meus rosto e pelos meus braços, tornando o frio ainda pior.
- Ela está respirando. Ela vai acordar. No entanto, ela pode pegar um resfriado. Eu não
gosto da cor que ela está ficando... - Eu reconhecí a voz de Sam dessa vez.
- Você acha que tudo bem mover ela?
- Ela não machucou as costas ou alguma outra coisa quando caiu?
- Eu não sei.
Eles hesitaram.
Eu tentei abrir os olhos. Me levou um minuto, mas eu conseguí ver as nuvens escuras,
roxas, jorrando a chuva congelante em cima de mim. - Jake? - eu resmunguei.
O rosto de Jacob bloqueou o céu. - Oh! - ele asfixiou, o alíviou lavou sua expressão. Os
olhos dele estavm molhados com a chuva. - Oh, Bella! Você está bem? Você consegue me ouvir?
Você está machucada em algum lugar?
- S-só a m-minha garganta - eu gaguejei, meus lábios tremendo com o frio.
- Vamos tirar você daqui, então - Jacob disse.
Ele passou os braços por baixo de mim e me levantou sem esforço - como se estivesse
pegando uma caixa vazia. O peito dele estava nu e quente; ele curvou os ombros pra evitar que a
chuva caísse em mim.
Minha cabeça descansou no braço dele. Eu encarei a água de novo com um olhar vazio, ela
estava batendo na areia atrás dele.
- Você pegou ela? - eu ouví Sam perguntar.
- É, eu cuido dela daqui. Volte para o hospital. Eu me junto a vocês mais tarde. Obrigado,
Sam.
Minha cabeça ainda estava rolando. Nenhuma das suas palavras fez sentido no começo. Sam
não respondeu. Não houve nenhum som, e eu imaginei se ele já tinha ido embora.
A água lambia e marcava a areia atrás de nós enquanto Jacob me carregava de lá, como se
ela estivesse zangada por eu ter escapado.
Enquanto eu olhava cautelosamente, um brilho de cor chamou a atenção dos meus olhos -
um pequeno flash de fogo estava dançando na água, lá perto da baía. A imagem não fazia
sentido, e eu me perguntei o quão consciente eu realmente estava.
Minha cabeça rodava com as memórias da água preta, dançante - as memórias de estar tão
perdida que eu não conseguia encontrar o caminho pra cima ou pra baixo. Tão perdida... mas de
alguma forma Jacob...
- Como você me encontrou? - eu raspei.
- Eu estava procurando você - ele me disse. Ele estava meio que correndo no meio da
chuva, pela praia e á caminho da estrada. - Eu segui as trilhas de pneu da sua caminhonete, e
então eu te ouví gritar... - Ele tremeu. - Porque você pulou, Bella? Você não percebeu que havia
um furacão se formando aqui? Você não podia ter me esperado? - A raiva encheu o tom dele
quando o alívio foi desaparecendo.
- Me desculpe - eu murmurei. - Foi estúpido.
- É, foi muito estúpido - ele concordou, gotas de chuva escapando levremente pelo seu
cabelo enquanto ele balançava a cabeça. - Olha, você se incomoda de deixar pra fazer as coisas
estúpidas quando eu estiver por perto? Eu não vou ser capaz de me concentrar se eu pensar que
você está pulando de penhascos na minhas costas.
- Claro - eu concordei. - Sem problema - Eu soava como uma fumante descontrolada. Eu
tentei limpar minha garganta, e então gemí; limpar a garganta foi como enfiar uma faca lá. - O
que aconteceu hoje? Você... encontrou ela? - Foi minha vez de tremer, apesar de não estar tão
frio aqui, bem perto do corpo ridiculamente quente dele.
Jacob balançou a cabeça. Ele ainda estava mais correndo do que andando enquanto ele
andava na estrada a caminho da sua casa.
- Não. Ela escapou pela água, os sugadores de sangue tê vantagem lá. Foi por isso que eu
voltei pra casa correndo, Eu estava com medo que ela chegasse antes de mim nadando. Você
passa tanto tempo na praia... - Ele parou de falar, um caroço na garganta.
- Sam voltou com você... todos os outros estão em casa também? - Eu esperava que eles
ainda não estivessem procurando por ela.
- É. Mais ou menos.
Eu tentei ler a expressão dele, pingando por causa da chuva torrencial.
As palavras que não faziam sentido antes, de repente fizeram. - Você disse... hospital. Antes,
pra Sam. Alguém está machucado? Ela lutou com vocês? - Minha voz pulou um oitavo, soando
estranha com a rouquidão.
- Não, Não. Quando nós voltamos, Em estava esperando com notícias. É Harry Clearwater.
Harry teve um ataque do coração essa manhã.
- Harry? - eu balancei minha cabeça, tentando absorver o que ele estava dizendo. - Oh, não!
O Charlie já sabe?
- É. Ele está lá também, com meu pai.
- Harry vai ficar bem?
Os olhos de Jacob se apertaram de novo. - Ele não parece muito bem agora.
Abruptamente, eu me sentí doente de culpa - me sentí horrivel pelo mergulho sem cérebro
do penhasco. Ninguém precisava ficar se preocupando comigo agora. Que hora estúpida pra ser
irresponsável.
- O que eu posso fazer? - eu perguntei.
Nesse momento a chuva parou. Eu não me dei conta de que já estávamos na casa de Jacob
até que ele passou pela porta. A tempestade batia no telhado.
- Você pode ficar aqui - Jacob disse enquanto me colocava no pequeno sofá. - Eu falo sério,
bem aqui. Eu vou pegar roupas secas pra você.
Eu deixei meus olhos se ajustarem á escuridão da sala enquanto Jacob ia caminhando para o
seu quarto.
A restrita sala da frente parecia muito vazia sem Billy, quase desolada. Era estranhamente
ominoso - provavelmente porque eu sabia onde ele estava.
Jacob estava de volta em segundos. Ele jogou um pilha de algodão cinza em cima de mim. -
Isso vai ficar enorme em você, mas ainda é o melhor que arranjei. Eu, er, vou lá pra fora pra você
se trocar.
- Não vá pra lugar nenhum. Eu ainda estou muito cansada pra me mexer.
Só fique comigo.
Jacob se sentou no chão ao meu lado, com as costas no sofá. Eu me perguntei quando foi a
última vez que ele dormiu. Ele parecia tão exausto quanto eu me sentia.
Ele inclinou a cabeça numa almofada próxima á minha e bocejou. - Eu acho que posso descansar
por um minuto...
Os olhos dele se fecharam. Eu deixei os meus se fecharem também.
Pobre Harry. Pobre Sue. Eu sabia que Charlie ficaria ao lado deles. Harry era um dos seus
melhores amigos. Apesar da negatividade com que Jake encarava as coisas, eu esperava
ferventemente que Harry saísse dessa. Pro bem de Charlie. Por Sue e Leah e Seth...
O sofá de Billy era próximo do aquecedor, e eu estava aquecida agora, apesar das minhas
roupas molhadas.
Meus pulmões doiam me levando mais para a inconsciência do que me mantendo acordada.
Eu me perguntei vagamente se era errado dormir... ou eu estava me afundando com a
confusão das concussões...?
Jacob começou a roncar levemente, e o som me acalmou como uma canção de ninar. Eu
peguei no sono rapidamente.
Pela primeira vez em muito tempo, os meus sonhos foram só sonhos normais.
Só uma vaga passagem borrada nas minha lembranças passadas - visões que me cegavam
do sol brilhante de Phoenix, o rosto da minha mãe, uma casa da árvore ainda aos pedaços, uma
colcha velha, uma sala de espelhos, uma chama em cima da água preta... eu esqueci cada uma
delas quando a figura mudou.
A última figura foi a única que ficou grudada na minha cabeça. Ela era sem importância, só
um cenário num palco.
Um balcão no meio da noite, uma lua pintada no céu. Eu observei a garota na sua camisola
se inclinar na grande e falar consigo mesma.
Sem importância... mas quando eu lutei pra voltar á consciência, Julieta apareceu na minha
mente.
Jacob ainda estava adormecido; ele havia caido no chão e a respiração dele era profunda e
uniforme. A casa estava mais escura agora do que estava antes, estava escuro do lado de fora da
janela.
Eu estava rígida, mas aquecída e quase seca. A parte de dentro da minha garganta ardia
toda vez que eu respirava.
Eu ia ter que levantar - pelo menos pra pegar uma coisa pra beber.
Mas o meu corpo só queria ficar aqui deitada, pra nunca mais levantar.
Ao invés de me mover, eu pensei um pouco mais em Julieta.
Eu imaginei o que ela teria feito se Romeu tivesse abandonado ela, não porque ele foi
banido, mas porque ele havia perdido o interesse.
E se Rosalie tivesse feito ele se apaixonar de novo, e ele mudasse de idéia? E se, ao invés de
casar com Julieta, ele tivesse desaparecido?
Eu pensei em como Julieta teria se sentido.
Ela não voltaria para a sua vida antiga, não mesmo. Ela não teria nem dado a volta por
cima, disso eu tinha certeza. Mesmo se ela vivesse até estar velha e cinza, todas as vezes que ela
fechasse os olhos, seria os olhos de Romeu que ela veria por trás das suas pálpebras. Ela teria
aceitado isso, eventualmente.
Eu me perguntei se ela teria se casado com Paris, no final, só para agradar seus pais, pra
manter a paz.
Não, provavelmente não, eu decidí. Mas também, a história não falava muito sobre Paris. Ele
era só uma figura de canto - um segurador de vela, uma ameaça, uma última opção para forçá-la
a casar.
E se houvesse mais pra Paris?
E se Paris fosse amigo de Julieta? O melhor amigo dela? E se ele fosse o único a quem ela
pudesse confidenciar as coisas devastadoras sobre Romeu? A única pessoa que poderia realmente
entendê-la e fazê-la se sentir meio humana de novo? E se ele fosse paciente e gentil? E se ele
tomasse conta dela?
E se Julieta soubesse que não poderia sobreviver sem ele? E se ele realmente amasse ela, e
quisesse que ela fosse feliz?
E... se ela amasse Paris? Não como Romeu. Nada assim, é claro. Mas o suficiente pra que
ela quisesse que ele fosse feliz também?
A respiração lenta, profunda de Jacob era o único som na sala - como uma canção de ninar
cantarolada para uma criança, como o barulho de uma cadeira de balanço, como o tique taque de
um velho relógio quando você não tem nenhum outro lugar pra onde você precisa ir... era o som
do conforto.
Se Romeu realmente tivesse ido embora, pra nunca mais voltar, iria realmente importar se
ela tivesse aceitado ou não a proposta de Paris? Talvez ela tivesse que se virar com as sobras da
sua vida que foram deixadas pra trás. Talvez isso fosse o mais próximo da felicidade que ela
pudesse chegar.
Eu suspirei, e depois gemí quando o suspiro arranhou minha garganta.
Eu estava lendo essa história demais. Romeu não ia mudar de idéia.
Era por isso que as pessoas ainda lembravam o nome dele, sempre entrelaçado com o dela:
Romeu e Julieta. É por isso que era uma boa história. "Julieta é passada pra trás por Romeu e fica
com Paris" nuca teria dado certo.
Eu fechei os meus olhos e me deixei levar de novo, deixando minha mente vagar dessa
estúpida peça na qual eu não queria pensar. Ao invés disso, eu pensei na realidade - sobre pular
do penhasco e o erro estúpido que isso havia sido. E não apenas o penhasco, mas também as
motos e aquela coisa toda de ser irresponsável. E se alguma coisa tivesse acontecido comigo? O
que teria sido de Charlie?
O ataque do coração de Charlie havia de repente colocado as coisas numa nova perspectiva
pra mim. Uma perspectiva que eu não queria ver - porque se eu admitisse a verdade nisso - isso
significaria que havia mudado o meu jeito. Será que eu poderia viver assim?
Talvez. Não seria fácil; de fato, seria uma vertente miserável ter que desistir das minhas
alucinações.
Mas eu tinha que fazer isso. E talvez eu pudesse. Se eu tivesse Jacob.
Eu não podia tomar essa decisão agora. Ia doer demais. Eu pensaria em outra coisa.
Imagens da minha tarde como dublê de filmes continuaram passando na minha cabeça
enquanto eu tentava pensar em alguma coisa agradável...
A sensação do ar enquanto eu caia, a escuridão da água, a força das correntes... o rosto de
Edward... eu fiquei presa aí por um longo tempo. As mãos quentes de Jacob, tentando trazer a
vida de volta pra mim... a chuva torrencial que caia das nuvens roxas... o estranho fogo nas
ondas...
Havia alguma coisa de familiar naquele flash de cor no topo da água.
É claro que não podia realmente ser fogo.
Meus pensamentos foram interrompidos pelo barulho de um carro andando na lama da
estrada lá fora. Eu ouví o carro parar do lado de fora, e as portas começando a se abrir e se
fechando.
A voz de Billy era fácil de identificar, mas ele a mantinha descaracteristicamente baixa, então
ela era apenas um murmúrio grave.
A porta se abriu, e um pouco de luz entrou. Eu pisquei, momentaneamente cega. Jake
começou a acordar, suspirando e pulando pra ficar de pé.
- Desculpa - Billy rosnou. - Nós acordamos vocês?
Meus olhos lentamente se focaram no rosto dele, e então, quando eu conseguí ler a
expressão dele, eles se encheram de légrimas.
- Oh, não, Billy! - eu gemí.
Ele balançou a cabeça lentamente, a expressão dele estava dura de dor. Jake correu para o
seu pai e pegou uma das suas mãos. A dor fez o rosto dele ficar repentinamente infantil - parecia
estranho no topo do corpo de um homem.
Sam estava bem atrás de Billy, empurrando a cadeira dele pela porta.
A compostura que era normal nele, agora estava ausente do seu rosto agoniado.
- Eu lamento muito - eu sussurrei.
Billy acenou com a cabeça. - Será difícil pra todos.
- Onde está Charlie?
- Seu pai ainda está no hospital com Sue. Têm muitos... arranjos a serem feitos.
Eu engolí seco.
- É melhor eu voltar pra lá - Sam murmurou, e saiu apressadamente pela porta.
Billy tirou sua mão da de Jacob e levou sua cadeira pela cozinha em direção ao seu quarto.
Jake ficou olhando pra ele por alguns minutos, e depos veio se sentar no chão a meu lado
de novo. Ele colocou o rosto nas mãos. Eu esfreguei o ombro dele, desejando poder pensar em
alguma coisa pra dizer.
Depois de um longo momento, Jake pegou minha mão e colocou em seu rosto.
- Como você está se sentindo? Você está bem? Eu provavelmente devia ter te levado pra um
médico ou alguma coisa assim - ele suspirou.
- Não se preocupe comigo - eu grasnei.
Ele virou a cabeça pra olhar pra mim. Os olhos dele estavam muito vermelhos. - Você não
parece muito bem.
- Eu também não me sinto muito bem, eu acho.
- Eu vou pegar a sua caminhonete e depois te levar pra casa, provavelmente é melhor você
estar em casa quando Charlie chegar.
- Certo.

Eu fiquei indiferente deitada no sofá enquanto esperei por ele. Billy estava em silêncio no
quarto. Eu me sentí como uma intrusa, espiando pelas rachaduras de uma tristeza que não era
minha.
Jake não demorou muito. O ronco do motor da minha caminhonete quebrou o silêncio antes
do que eu esperava. Ele me ajudou a levantar do sofá sem falar nada, mantendo seus braços ao
redor dos meus ombros quando o ar gelado me fez tremer.
Ele foi para o lado do motorista sem pedir, e depois me puxou para o lado dele pra manter o
seu braço bem apertado ao meu redor. Eu inclinei minha cabeça no peito dele.
- Como é que você vai voltar pra casa? - eu perguntei.
- Eu não vou pra casa. Nós ainda não pegamos a sugadora de sangue, lembra?
Meu próximo arrepio não teve nada a ver com o frio.
Depois disso a viagem foi silenciosa. O ar gelado havia me despertado. Minha mente estava
alerta, e estava trabalhando muito duro e muito rápido.
E se fosse? O que era a coisa certa a fazer?
Eu não conseguia imaginar minha vida sem Jacob agora - eu afastei a idéia de sequer ter
que pensar nisso. De alguma forma, ele havia se tornado essecial para a minha sobreviência.
Mas deixar as coisas do jeito como estavam... isso era cruel, como Mike havia acusado?
Eu me lembrei de ter desejado que Jacob fosse meu irmão. Eu me dei conta agora que o
que eu queria era ter direitos sobre ele. Eu não me sentia muito fraternal quando ele me abraçava
assim. Só era bom - quente e confortável e familiar. Seguro. Jake era um porto seguro.
Eu podia clamar ele. Eu tinha esse poder.
Eu teria que contar tudo a ele, eu sabia disso. Era a única forma de ser justa. Eu teria que
explicar direito, pra que assim ele soubesse que eu não estava me apegando, pra que ele
soubesse que ele era bom demais pra mim.
Ele já sabia que eu estava quebrada, essa parte não surpreenderia ele, mas ele teria que
saber a extensão disso. Eu teria que admitir que estava louca - explicar sobre as vozes que ouvia.
Ele ia precisar saber de tudo antes de tomar a decisão.
Mas, mesmo que eu reconhecesse essa necessidade, eu sabia que ele me aceitaria apesar
de tudo isso. Ele não ia nem parar pra pensar.
Eu teria que me comprometer com isso - comprometer tudo que havia restado de mim, cada
um dos pedaços quebrados. Era a única forma de ser justa com ele. Eu faria isso? Eu poderia?
Seria assim tão errado fazer Jacob feliz? Mesmo que o amor que eu sentia por ele não fosse
nem um eco fraco do que eu era capaz, mesmo que o meu coração estivesse distante, vagando e
lamentando pelo meu Romeu fujão, seria assim tão errado?
Jacob parou a caminhonete na frente da minha casa escura e desligou o motor, então tudo
ficou repentinamente silencioso. Como em tantas outras vezes, ele parecia estar em sintonia com
os meus pensamentos agora.
Ele colocou seu braço ao meu redor, me apertando contra o seu peito, me colando nele. De
novo, isso foi bom. Quase como se uma pessoa inteira de novo.
Eu pensei que ele estaria pensando em Harry, mas depois ele falou, e o seu tom pedia
perdão.
- Me desculpe. Eu sei que você não se sente exatamente como eu me sinto, Bella. Eu juro
que não me importo. Eu estou tão feliz por você estar bem que eu podia cantar, e isso é uma
coisa que ninguém vai querer ouvir. - Ele deu sua risada gutural no meu ouvido.
Minha respiração deu um pulo, secando as paredes da minha garganta.
Edward não ia querer, independente do quanto ele fosse indiferente, que eu fosse tão feliz
quanto fosse possível sob essas circustâncias? Será que não havia um sentimento de amizade
suficiente da parte dele pra que ele desejasse isso pra mim? Eu acho que sim. Ele não ia me negar
isso: que eu desse só um pouco do amor que ele não quis para o meu amigo Jacob. Afinal, não
era nem de longe o mesmo tipo de amor.
Jake pressionou a sua bochecha quente no topo da minha cabeça.
Se eu virasse o meu rosto para o lado - se eu pressionasse meus lábios no ombro nu dele...
eu sabia sem duvida nenhum o que viria a seguir. Seria muito fácil. Não teriam que haver
explicações essa noite.
Mas será que eu podia fazer isso? Será que eu podia trair meu coração ausente só pra salvar
minha vida patética?
As borboletas encheram meu estômago enquanto eu pensava em virar minha cabeça.
E então, tão claramente quanto se eu estivesse em perigo imediato, a voz aveludade de
Edward cochichou no meu ouvido.
- Seja feliz - ele me disse.
Eu congelei.
Jacob me sentiu enrrijecer e me largou automaticamente, se inclinando para a porta.
Espere eu queria dizer. Só um minuto. Mas eu ainda estava grudada no lugar, escutando o
eco da voz de Edward na minha cabeça.
O vento frio da tempestade envadiu a cabine da caminhonete.
- OH! - a respiração saiu de Jacob como se alguém tivesse dado um soco em seu estômago.
- Mas que merda!
Ele bateu a porta e girou as chaves na ignição ao mesmo tempo. As mãos dele estavam
tremendo tanto que eu nem sei como foi que ele conseguiu.
- Qual é o problema?
Ele acelerou o motor rápido demais; ele engasgou e falhou.
- Vampiro - ele cuspiu.
O sangue correu para a minha cabeça e eu me senti tonta. - Como é que você sabe?
- Porque eu consigo cheirar. Droga!
Os olhos de Jacob estavam selvagens, rastreando a rua escura. Ele mal parecia estar
consciente dos tremores que balançavam todo o seu corpo. - Me transformar ou dar o fora daqui?
- ele murmurou pra sí mesmo.
Ele olhou pra mim por um milésimo de segundo, olhando pros meus olhos arregalados de
horror e e rosto branco, e então rastreando a rua de novo. - Certo. Te levar daqui.
O motor cortou com um ronco. Os pneus cantaram quando ele fez a volta com a
caminhonete, se virando na direção da nossa única saída.
Os faróis passaram por cima das calçadas, iluminaram a frente da floresta escura, e
finalmente refletiram num carro parado na calçada do outro lado da minha casa.
- Pare! - eu asfixiei.
Era um carro preto, um carro que eu conhecia. Eu podia ser uma coisa muito longe de uma
apaixonada por carros, mas eu podia dizer tudo sobre aquele carro em particular.
Era uma Mercedes S55 AMG. Eu sabia quantos cavalos de força tinha e a cor do seu interior.
Eu sabia qual era a sensação do seu poderoso motor ronronando sob o capô. Eu conhecia o rico
cheiro dos bancos de couro e sabia o jeito como aqueles vidros extra escuros não deixavam
nenhuma luz do lado de fora penetrar.
Era o carro que Carlisle.
- Pare! - eu gritei de novo, mais alto dessa vez, porque Jacob estava levando a caminhonete
para o fim da rua.
- O que?!
- Não é Victória. Pare, pare! Eu quero voltar!
Ele pisou no freio com tanta força que eu tive que me segurar no painél.
- O que? - ele perguntou de novo, agastado. Ele me encarou com horror nos olhos.
- É o carro de Carlisle! São os Cullen. Eu sei disso.
Ele observou o meu rosto por um instante, e um violento tremor balançou o seu corpo.
- Ei, acalme-se, Jake. Está tudo bem. Nada de perigo, vê? Relaxe.
- É, calma - ele ofegou, colocando a cabeça pra baixo e fechando os olhos. Enquanto ele se
concentrava em não explodir num lobo, eu olhei pela janela de trás para o carro preto.
É só o carro de Carlisle, eu disse pra mim mesma. Não espere nada mais. Talvez Esme...
Pare bem aí, eu disse pra mim mesma. Só Carlisle. Isso era muito. Mais do que eu jamais esperei
ter de novo.
- Há um vampiro na sua casa - Jacob disse por entre os dentes. - E você quer voltar lá?
Eu olhei pra ele, tirando os meus olhos sem vontade da Mercedes, eu estava terrorizada que
ela fosse desaparecer se eu desviasse os olhos.
- É claro - eu disse, minha voz pasma de surpresa pela pergunta dele.
É claro que eu queria voltar pra lá.
O rosto de Jacob endureceu enquanto eu olhava pra ele, se transformando na máscara ácida
que eu achei que havia desaparecido pra sempre. Pouco antes que ele colocasse a máscara no
lugar, eu captei o espasmo de traição de resplandeceu nos olhos dele. As mãos dele ainda
estavam tremendo. Ele parecia ser dez anos mais velho que eu.
Ele respirou fundo. - Você tem certeza de que isso não é um truque? - ele perguntou numa
voz lenta, pesada.
- Não é um truque. É Carlisle. Me leve de volta!
Um tremor escapou pelos seus ombros largos, mas os olhos dele estavam compenetrados e
sem emoção. - Não.
- Jake, está tudo bem...
- Não. Volte você mesma, Bella - a voz dele foi um tapa, eu vacilei com o som quando ela
bateu em mim. A mandíbula dele estava se comprimindo e se soltando. - Olha, Bella - ele disse
com a mesma voz dura. - Eu não posso voltar. Com acordo ou sem acordo, aquele lá é o inimigo.
- Não é assim...
- Eu vou ter que contar pra Sam imediatamente. Isso muda as coisas. Nós não podemos
ficar presos no nosso território.
- Jake, isso não é uma guerra!
Ele não ouviu. Ele engatou a caminhonete e pulou pra fora da porta, deixando ela ligada.
- Tchau, Bella - ele chamou por cima do ombro. - Eu realmente espero que você não morra.
- Ele correu para a escuridão, tremendo tanto que o corpo dele parecia um vulto.
O remorso me deixou colada no banco por um longo segundo. O que eu havia acabado de
fazer com Jacob?
Mas o remorso não conseguiu me segurar por muito tempo.
Eu escorreguei para o outro banco e coloquei a caminhonete em marcha de novo. Minhas
mãos estavam tremendo tanto quanto as mãos de Jake haviam estado, e isso tomou um minuto
da minha concentração.
Depois eu virei cuidadosamente a caminhonete e a dirigí em direção á minha casa.
Tudo ficou muito escuro quando eu desliguei os faróis. Charlie saiu com tanta pressa que
havia esquecido de ligar as luzes da varanda. Eu sentí uma pontada de dúvida, olhando para a
casa, afundada nas sombras. E se isso fosse um truque?
Eu olhei de volta para o carro preto, quase invisível na noite. Não. Eu conhecia aquele carro.
Ainda assim, minhas mãos estavam tremendo mais do que antes quando eu peguei a chave
em cima da porta.
Quando eu peguei na maçaneta da porta para abrí-la, ela girou facilmente embaixo da minha
mão. Eu deixei a porta se abrir. O corredor estava preto.
Eu queria chamar com uma saudação, mas minha garganta estava seca demais. Eu não
parecia conseguir sugar o ar.
Eu dei um passo para a frente e apalpei para acender a luz.
Estava tão preto - como a água preta... Onde estava aquele interruptor?
Assim como a água preta, com aquela chama brilhando impossivelmente em cima dela.
Aquela chama não podia ser fogo, mas então o que...?
Meus dedos traçaram a parede, ainda procurando, ainda tremendo.
De repente, algo que Jacob me disse essa tarde ecoou na minha cabeça, finalmente caindo a
ficha...
Ela escapou pela água, ele havia dito. Os sugadores de sangue têm a vantagem lá. Foi por
isso que eu vim correndo pra casa - eu estava com medo de que ela chegasse primeiro nadando.
Minha mão congelou na sua procura, meu corpo inteiro congelou no lugar, enquanto eu me
dava conta do porque eu reconhecia a estranha cor laranja na água.
O cabelo de Victória, voando selvagemente com o vento, da cor do fogo...
Ela esteve lá. Bem lá no cais comigo e Jacob. Se Sam não estivesse lá, se fôssemos só nós
dois...? Eu não conseguia respirar ou me mexer.
A luz se acendeu, apesar da minha mão congelada ainda não ter encontrado o interruptor.
Os meus olhos piscaram com a luz repentina, e viram que havia alguém lá, esperando por mim.


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