12 de maio de 2009

Capítulo 5 - Trapaça

- Bella, porque você não tira uma folga - Mike sugeriu, seus olhos focados para o lado, sem
olhar pra mim de verdade. Eu me perguntei a quanto tempo isso estava acontecendo sem que eu
me desse conta.
O movimento estava lento na Newton's. No momento só haviam dois clientes na loja, pelo
tom da conversa eles eram mochileiros dedicados. Mike passou a última hora falando sobre os
prós e os contras das mochilas mais leves com eles. Eles haviam tirado uma folga da sua séria
conversa sobre preços pra tentar trocarem conversas sobre os últimos contos das trilhas. A
distração deles deu a Mike uma chance de escapar.
- Eu não me importo de ficar - eu disse. Eu ainda não tinha conseguido voltar pra minha
concha protetora de entorpecência, e tudo parecia estranhamente perto e alto hoje, como se eu
tivesse tirado algodão dos meus ouvidos. Eu tentei desligar a risada alta dos mochileiros sem
sucesso.
- Eu estou te dizendo - disse o homem atarracado com a barba alaranjada que não
combinava com o seu cabelo marrom. - Eu já ví ursos pardos bem de perto em Yellowstone, e eles
não tinham nada a ver com essa criatura. - O cabelo dele estava emaranhado, e as roupas dele
pareciam estar sendo usadas há alguns dias. Fresca como as montanhas.
- Sem chance. Ursos pretos não ficam tão grandes. Os pardos que você viu devem ter sido
filhotes. - O segundo homem era alto e esguio, o rosto dele era bronzeado e ele tinha um
impressionante chicote de couro.
- Sério, Bella, assim que esses dois desistirem, eu vou fechar o lugar - Mike murmurou.
- Se você quer que eu vá... - eu levantei os ombros.
- Um dos quatro era maior que você - o barbudo insistiu enquanto eu juntava as minhas
coisas. - Grande como uma casa e preto como piche. Eu vou denunciar ao guarda florestal daqui.
As pessoas têm que ser informadas, isso não era no alto da montanha, sabe, isso foi apenas há
alguns metros de onde a trilha começava.
O outro cara riu e revirou os olhos.
- Me deixe adivinhar, você estava entrando? Não comeu comida que preste e dormiu no
chão por mais de uma semana, certo?
- Ei, uh, Mike, certo? - o barbudo chamou, olhando na nossa direção.
- Te vejo segunda - eu murmurei.
- Sim, senhor - Mike respondeu, se virando.
- Diga, houveram avisos recentes por aqui, sobre ursos negros?
- Não, senhor. Mas é sempre melhor manter a distância e guardar a sua comida
apropriadamente. Você já viu as novas latas á prova de ursos? Elas só pesam dois quilos...
As portas se abriram pra me deixar sair na chuva. Eu estava espremida por dentro do meu
casaco enquanto corria pro meu carro.
A chuva batendo no meu capuz parecia estranhamente alta também, mas o som do ronco do
motor era mais alto que qualquer coisa.
Eu não queria voltar para a casa vazia de Charlie. A noite passada havia sido particularmente
brutal, e eu não tinha nenhuma intenção de revistar a cena do sofrimento. Mesmo quando a dor
diminuiu o suficiente pra me deixar dormir, ela não foi embora. Como eu disse a Jéssica depois do
filme, eu não tinha dúvidas de que teria pesadelos.
Eu sempre tinha pesadelos agora, toda noite. Não pesadelos, na verdade, não no plural,
porque era sempre o mesmo pesadelo.
Você acharia que eu tinha ficado entediado depois de todos esses meses, que havia ficado
imune a isso. Mas meus sonhos nunca falhavam em me deixar assustada, e eles só acabavam
quando eu me acordava gritando. Charlie já não vinha mais pra ver o que havia de errado, pra ter
certeza de que não havia nenhum estranho me estrangulando ou algo assim - agora ele já estava
acostumado.
Meu pesadelo provavelmente nem assustaria outra pessoa. Nada pulava e gritava "Boo!".
Não haviam zumbís, ou fantasmas, ou psicopatas. Não havia nada, na verdade. Só o nada. Só o
labirinto sem fim de árvores cobertas de musgos, tão quietas que o silêncio batia quase
insuportavelmente nos meus ouvidos. Estava escuro, como neblina ou um dia nublado, com luz
suficiente apenas pra que eu visse que não havia mais nada lá pra ver.
Eu me apressava na escuridão sem um caminho, sempre procurando, procurando,
procurando, ficando mais frenética enquanto o tempo passava, tentando me mover mais rápido,
apesar da velocidade me deixar mais desajeitada... Então chegava aquele ponto no sonho - e eu
podia sentí-lo chegando agora, mas eu não parecia ser capaz de me acordar antes dele chegar -
quando eu não conseguia me lembrar o que eu estava procurando.
Então eu me dava conta de que não havia nada pra procurar, e nada pra encontrar. Eu me
dava conta de que nunca houve nada além dessa floresta vazia, melancólica, e nunca houve nada
além disso pra mim... nada além de nada...
Essa era geralmente a hora que eu me acordava gritando.
Eu não estava prestando atenção de pra onde estava dirigindo - só vagando pelas estradas
vazias, molhadas enquanto evitava o caminho que me levaria pra casa - porque eu não tinha mais
pra onde ir.
Eu desejei poder estar entorpecida de novo, mas eu não conseguia me lembrar de como
fazia isso antes.
O pesadelo estava cavalgando na minha cabeça e me fazendo pensar nas coisas que me
causavam dor. Eu não queria me lembrar da floresta. Mesmo quando eu me afastava das imagens,
eu sentia meus olhos se enchendo de lágrimas, e a dor começava a passar perto do buraco no
meu peito. Eu tirei uma mão do volante e usei-a pra agarrar meu tórax e segurá-lo em um só
pedaço.
Será como se eu nunca tivesse existido. As palavras corriam pela minha cabeça, mas faltava
nelas a perfeita claridade das alucinações que eu tive ontem á noite. Eles eram só palavras, sem
som, como uma imagem numa página. Só palavras, mas elas abriram o buraco no meu peito, e eu
pisei bruscamente no freio, sabendo que não devia dirigir estando incapacitada desse jeito.
Eu me curvei, pressionando meu rosto no volante e tentando respirar sem os pulmões.
Eu me perguntei quanto tempo isso podia durar. Talvez algum dia, anos mais tarde - se a
dor diminuisse de forma que eu pudesse aguentar - eu poderia olhar de volta para aqueles meses
que foram os melhores da minha vida. E, se fosse possível que a dor diminuísse aponto de me
permitir fazer isso, eu tinha certeza que me sentiria agradecida pelo tempo que ele me deu. Mais
do que eu pedí, mais do que eu merecia. Talvez algum dia eu fosse capaz de ver as coisas desse
jeito.
Mas e se o buraco nunca ficasse melhor? E se as beiras em carne viva nunca sarassem? E se
o dano fosse permanente e irreversível?
Eu me segurei com força. Como se ele nunca tivesse existido, eu pensei desesperada.
Que promessa estúpida e impossível pra se fazer! Ele podia roubar minhas fotos e pegar
seus presentes de volta, mas isso não fazia as coisas voltarem a ser como eram antes de eu
conhecê-lo. A evidência física era a parte mais insigificante de equação. Eu estava mudada, por
dentro eu estava mudada ao ponto de ser difícil me reconhecer.
Mesmo por fora eu parecia diferente - meu rosto pálido, exceto com os círculos que os
pesadelos haviam deixado embaixo dos meus olhos. Meus olhos estavam escuros o sufíciente na
minha pele pálida que - se eu fosse linda, vista á distância - eu podia me passar por uma vampira
agora. Mas eu não era linda, e provavelmente estava mais próxima de um zumbí.
Como se ele nunca tivesse existido? Isso era loucura. Era uma promessa que ele nunca
poderia manter, uma promessa que já estava quebrada quando ele a fez.
Eu batí minha cabeça no volante, tentando me distrair da dor mais aguda.
Isso fez eu me sentir boba por estar lutando pra manter a minha promessa. Havia lógica em
tentar manter um acordo que já havia sido quebrado por um dos lados? Quem se importava se eu
fosse estúpida e pouco cuidadosa? Não haviam motivos pra evitar a falta de cuidado, não haviam
motivos pra eu não ser estúpida.
Eu rí sem humor pra mim mesma, ainda sufocando por ar.
Sem cuidado em Forks - não havia uma proposta mais sem esperança.
O humor negro me distraiu, e a distração aliviou a dor. Minha respiração ficou mais fácil, e
eu fui capaz de me inclinar no banco.
Apesar de estar frio hoje, minha testa estava molhada de suor.
Eu me concentrei na proposta sem esperança pra evitar escorregar de volta para as
memórias dolorosas. Não ser cuidadosa em Forks você precisaria ter muita criatividade - talvez
mais do que eu tinha. Mas eu desejei poder encontrar algum jeito... Eu podia me sentir melhor se
não estivesse segurando apertado, completamente sozinha, um pacto quebrado. Se eu fosse uma
quebradora de pactos também. Mas como eu ia trair o meu lado do acordo, aqui nessa cidade
tranquila? É claro, Forks não foi sempre assim tão tranquila, mas agora era exatamente o que ela
aparentava ser. Era chata, era segura.
Eu olhei pra fora pelo parabrisa por um longo momento, meus pensamentos se movendo
lentamente - eu não parecia ser capaz de fazer esse pensamentos irem pra lugar nenhum. Eu
desliguei o motor, que estava roncando de um jeito piedoso depois de ficar parado por tanto
tempo, e saí nos chuviscos.
A chuva fria pingava nos meus cabelos e então fazia cócegas pelas minhas bochechas como
lágrimas de água fresca. Isso ajudou a limpar minha cabeça. Eu pisquei pra tirar a água dos meus
olhos, olhando pra o nada na estrada.
Depois de alguns minutos olhando, eu reconhecí onde eu estava. Eu estacionei no meio da
Avenida Russel ao norte. Eu estava de pé na frente da casa dos Cheney - minha caminhonete
estava bloqueando a entrada para a garagem deles - e do outro lado da rua moravam os
Markeses. Eu sabia que precisava tirar a minha caminhonete, e que eu precisava voltar pra casa.
Era errado ficar perambulando do jeito que eu estava, distraída e prejudicada, uma ameaça nas
avenidas de Forks. Além do mais, alguém ia reparar em mim em breve, e me denunciar pra
Charlie.
Enquanto eu respirava fundo me preparando pra me mover, uma placa no quintal dos
Markeses chamou minha atenção - era só um pedaço grande de cartolina encostado na caixa de
correio deles, com letras pretas rabiscadas.
As vezes, o inesperado acontece.
Conhecidência? Ou será que era pra ser? Eu não sabia, mas parecia meio bobo pensar que
de alguma forma isso estava escrito, que a placa Á VENDA, como são escrito á mão para as
delapidades motocicletas no quintal dos Markeses estava lá por algum propósito maior, bem alí
onde eu precisava que elas estivessem.
Então talvez isso não fosse o inesperado. Talvez houvessem outras maneiras de não ser
cuidadosa, e eu apenas não tivesse aberto os olhos pra elas.
Despreocupada e estúpida. Aquelas eram as palavras favoritas de Charlie ao se referir á
motocicletas.
O trabalho de Charlie não oferecia muita ação considerado aos tiras de cidades maiores, mas
ele era chamado em acidentes de trânsito.
Com as longas e molhadas extensões da pista virando e contornando ao redor da floresta,
ponto cego depois de ponto cego, não haviam poucos tipos de ação como essa. Mas mesmo com
os enormes barrís colocados nas curvas, a maioria das pessoas saia da pista.
As excessões pra essa regra eram geralmente os motociclistas, e Charlie havia visto muitas
vítimas, quase sempre crianças, jogadas na pista.
Ele me fez prometer antes que eu tivesse dez anos que eu nunca aceitaria uma carona numa
moto.
Mesmo com essa idade, eu não precisei pensar duas vezes antes de prometer.
Quem ia querer andar de moto aqui? Seria como uma banho a sessenta quilômetros por
hora.
Tantas promessas que eu cumpri...
Tudo se juntou pra mim nessa hora. Eu queria ser estúpida e irresponsável, e eu queria
quebrar promessas. Porque fazer um só?
Foi só até aí que eu pensei. Eu caminhei na rua até a porta da frente dos Markeses e toquei
a campainha.
Um dos garotos Marks veio abrir a porta, o mais novo, o novato. Eu não conseguia lembrar o
nome dele.
O cabelo cor de areia dele só alcançava o meu ombro.
Ele não teve problemas pra lembrar meu nome: - Bella Swan? - ele perguntou surpreso.
- Quanto você quer pela moto? - eu perguntei, apontando a placa de venda com o meu
polegar por cima do ombro.
- Você tá falando sério? - ele quis saber.
- É claro que estou.
- Elas não funcionam.
Eu suspirei impacientemente, isso eu já tinha deduzido pela placa.
- Quanto?
- Se você realmente quer uma, pode pegar. Minha mãe fez o meu pai colocá-las lá pra que
elas fossem recolhidas com o lixo.
Eu olhei para as motos de novo e ví que elas estavam numa pilha de sacos no quintal junto
com uma pilha de galhos. - Você tem certeza disso?
- Claro, você quer perguntar pra ela?
Provavelmente fosse melhor não envolver adultos que podiam acabar comentando isso com
Charlie.
- Não, eu acredito em você.
- Você quer que eu te ajude? - ele se ofereceu. - Elas não são leves.
- Tudo bem, obrigada. Mas eu só preciso de uma.
- Pode levar as duas - o garoto disse. - Talvez você consiga reutilizar algumas partes.
Ele me seguiu no aguaceiro e me ajudou a carregar as duas motos pesadas e colocá-las na
traseira da minha caminhonete.
Ele parecia estar ansioso pra se livrar delas, então eu não discutí.
- O que você vai fazer com elas, afinal? - ele perguntou. - Elas não funcionam a anos.
- Eu meio que adivinhei isso - eu disse, levantando os ombros. O meu momento de
inspiração não tinha vindo com um plano intacto. - Talvez eu as leve ao Dowling's.
Ele bufou. - Dowling vai cobrar pra concertá-las mais do que elas valem.
Eu não discutí com isso. Jonh Dowling havia ganhado uma reputação por seus preços;
ninguém ia até ele a não ser que fosse uma emergência. A maioria das pessoas preferia dirigir até
Port Angeles, se o carro fosse capaz disso. Eu tive sorte nesse aspecto, eu me preocupei quando
Charlie me deu minha caminhonete ansiã que eu não tivesse como pagar pra mantê-la rodando.
Mas eu nunca tive um problema sequer, a não ser o barulho do motor e o limite de cinqüenta e
cinco por hora.
Jacob Black a manteve em ótima forma quando ela pertenceu a seu pai, Billy...
A inspiração bateu como um trovão - o que não deixava de ser razoável, levando em
consideração a tempestade. - Quer saber? Está tudo bem. Eu conheço alguém que constrói carros.
- Oh. Isso é bom. - Ele disse aliviado.
Ele acenou enquanto ia embora, ainda sorrindo. Garoto amigável.
Eu dirigí rápido, e agora com um propósito, na pressa de chegar em casa antes que Charlie
tivesse a chance de aparecer, mesmo num evento altamente improvável de que ele saísse mais
cedo. Eu corrí em casa até o telefone, as chaves ainda na mão.
- Chefe Swan, por favor - eu disse quando o encarregado atendeu. - Aqui é Bella.
- Oh, oi, Bella - o encarregado Steve disse amavelmente. - Eu vou chamá-lo.
Eu esperei.
- Qual é o problema, Bella? - Charlie quis saber assim que atendeu o telefone.
- Eu não posso ligar sem que haja uma emergência?
Ele ficou quieto por um minuto. - Você nunca fez isso antes. Há alguma emergência?
- Não. Eu só queria saber a direção da casa dos Black, eu não tenho certeza se lembro o
caminho. Eu quero visitar Jacob. Já fazem meses que eu não o vejo.
Quando Charlie falou de novo, sua voz estava muito mais feliz. - Essa é uma ótima idéia,
Bells. Você tem uma caneta?
As direções que ele me deu eram bem simples. Eu o assegurei que estaria de volta para o
jantar, apesar de ele me dizer pra que eu não me apressasse. Ele queria se juntar comigo em La
Push, e eu não ia cair nessa.
Então foi com um prazo que eu corrí rapido demais pelas ruas escurecídas pela tempestade.
Eu esperava encontra Jacob sozinho. Billy provavelmente ia me dedurar se ele soubesse o que eu
estava planejando.
Enquanto eu dirigia, eu me preocupei um pouco com a reação de Billy ao me ver. Ele ficaria
contente demais. Na cabeça de Billy, sem dúvida, isso tinha funcionado muito melhor do que ele
teria ousado esperar. Seu prazer e alívio só serviriam pra me lembrar de uma das coisas que eu
não suportaria ser lembrada.
Hoje de novo não, eu implorei silenciosamente. Eu já estava desgastada.
A casa dos Black era vagamente familiar, uma pequena casa de madeira com janelas apertadas, a
pintura fraca desgastada a deixava parecida com um celeiro. A cabeça de Jacob apareceu na
janela antes mesmo que eu pudesse sair da caminhonete. Sem dúvida o barulho familiar do motor
o havia avisado da minha chegada. Jacob ficou muito agradecido por Charlie ter comprado a
caminhonete de Billy, evitando que Jacob tivesse que dirigí-la quando tivesse idade pra isso.
Eu gostava muito da minha caminhonete, mas Jacob parecia considerar os limites de
velocidade um empencílho.
Ele me encontrou a meio caminho da casa.
- Bella! - seu sorriso grande e excitado cresceu no seu rosto, seus dentes brilhantes
formavam um vívido contraste com a cor ruiva escura da sua pele. Eu nunca tinha visto o cabelo
dele fora do rabo de cavalo antes. Parecia que uma cortina de cetim estava cobrindo os dois lados
do rosto largo dele.
Jacob havia alcançado um pouco do seu potencial nesses últimos oito meses. Ele já havia
passado daquela fase em que os músculos suaves da infância ficam sólidos, naquela estrutura
magra dos adolescentes; seus tendões e veias haviam ficado proeminentes embaixo da pele dos
seus braços e mãos. O rosto dele ainda era doce como eu me lembrava, apesar dele ter
endurecido também- as maçãs do rosto estavam mais altas, sua mandíbula ficou quadrada, todos
os traços de infância desapareceram.
- Oi, Jacob! - eu sentí uma urgência de entusiasmo que não era famíliar por causa do sorriso
dele. Eu me dei conta de que estava feliz por vê-lo. Isso me surpreendeu.
Eu sorrí de volta, e alguma coisa voltou pro lugar silenciosamente, como duas peças de quebracabeça
que se correspondiam. Eu esquecí do quanto gostava de Jacob.
Ele parou a alguns metros de mim, e eu encarei ele surpresa, inclinando minha cabeça pra
trás apesar da chuva estar molhando meu rosto.
- Você cresceu de novo! - eu acusei assombrada.
Ele sorriu, o sorriso cresceu impossívelmente. - Um e oitenta e sete - ele anunciou satisfeito.
A voz dele estava mais profunda, mas ainda tinha o tom rouco que eu me lembrava.
- Será que isso vai parar? - eu balancei minha cabaça sem acreditar. - Você está enorme.
- Mas ainda sou um varapau. - Ele fez uma careta. - Entra! Você está ficando toda molhada.
Ele guiou o caminho, enrolando o cabelo nas mãos enquanto andava. Ele puxou um elástico
do bolso e o colocou no coque.
- Ei, pai - ele chamou enquanto se curvava pra passar pela porta da frente. - Olha quem veio
parar aqui.
Billy estava na pequena sala quadrada, um livro nas mãos. Ele colocou o livro no colo e se
empurrou pra frente quando me viu.
- Bem, mas quem diria! É bom te ver, Bella.
Nós balançamos as mãos. A minha ficou perdida na mão grande dele.
- O que te trás aqui? Está tudo bem com Charlie?
- Sim, absolutamente. Eu só queria ver Jacob, faz uma eternidade que eu não o via.
Os olhos de Jacob brilharam com as minhas palavras. O sorriso dele era tão grande que
parecia estar machucando as bochechas dele.
- Você pode ficar pro jantar? - Billy estava ansioso também.
- Não, eu tenho que alimentar Charlie, sabe.
- Eu ligo pra ele agora - Billy sugeriu. - Ele sempre é bem vindo.
Eu rí pra esconder meu desconforto. - Não é como se você nunca mais fosse me ver. Eu
prometo que voltarei em breve, tanto que você vai se cansar de mim. - Afinal, se Jacob fosse
concertar as motos, alguém ia ter que me ensinar a guiá-las. Billy gargalhou em resposta.
- Ok, talvez da próxima vez.
- Então, Bella, o que você quer fazer? - Jacob perguntou.
- Qualquer coisa. O que era que você estava fazendo antes da minha interrupção? - eu
estava estranhamente confortável aqui. Era familiar, mas só distantemente. Aqui não haviam
lembranças dolorosas de um passado recente.
Jacob hesitou. - Eu ia começar a trabalhar no meu carro, mas nós podemos fazer outra
coisa...
- Não, isso é perfeito! - eu interrompí. - Eu adoraria ver o seu carro.
- Ok - ele disse não convencido. - Está lá atrás, na garagem.
Melhor ainda, eu pensei comigo mesma. Eu acenei pra Billy.
- A gente se vê mais tarde.
Um monte de árvores grossas e moitas escondiam a sua garagem. A garagem não era mais
do que dois abrigos pré-formados que foram colocados no seu interior com as paredes viradas pra
fora.
Embaixo desse abrigo, em cima de blocos, estava o que pareciam com um carro completo.
Eu reconhecí o símbolo na grade, pelo menos.
- Que tipo de Volkswagen é esse? - eu perguntei.
- É um velho Rabbit - 1986, um classico.
- Como está indo?
- Quase terminado - ele disse alegremente. E então sua voz caiu num tom mais baixo. - Meu
pai cumpriu sua promessa na primavera passada.
- Ah - eu disse.
Ele pareceu entender minha relutância em falar sobre o assunto. Eu tentei não me lembrar
de Maio passado, no baile. Jacob foi comprado pelo dinheiro do pai e partes do carro pra ir lá e
me entregar uma mensagem. Billy queria que eu mantivesse uma distância segura da pessoa mais
importante da minha vida. Acabou que a preocupação dele foi, no fim, desnecessária. Eu estava
muito segura agora.
Mas eu ia ver o que podia fazer pra mudar isso.
- Jacob, o que você sabe sobre motos? - eu perguntei.
Ele levantou os ombros. - Um pouco. Meu amigo Embry tem uma moto suja. Nós
trabalhamos nela juntos ás vezes. Porque?
- Bem... - eu torcí os lábios enquanto considerava. Eu não tinha certeza de que ele
conseguiria manter a boca fechada, mas eu não tinha muitas outras opções. - Eu recentemente
adquirí duas motos, e elas não estão em ótimas condições. Eu estava imaginando se você podia
fazê-las andar.
- Legal. - Ele pareceu realmente feliz com o desafio. O rosto dele brilhou. - Eu vou tentar.
Eu levantei um dedo num aviso. - O problema é - eu expliquei. - Charlie não aprova motos.
Honestamente, uma veia na testa dele provavelmente estouraria se ele soubesse disso. Então
você não pode contar pra Billy.
- Claro, claro. - Jacob sorriu. - Eu entendo.
- Eu vou te pagar - eu continuei.
Isso o ofendeu. - Não. Eu quero ajudar. Você não pode me pagar.
- Bem... que tal um acordo então? - eu estava pensando nisso enquanto falava, mas me
pareceu razoável o suficiente. - Eu só preciso de uma moto, eu vou precisar de aulas também.
Então, que tal isso? Eu vou te dar a outra moto, e então você pode me ensinar.
- Legaaaaal. - Ele fez a palavra parecer maior.
- Espere um segundo, você já está legalizado? Quando é o seu aniversário?
- Você perdeu - ele zombou, estreitando os olhos com falso ressentimento. - Eu já tenho
dezesseis.
- Não que a sua idade tenha te impedido antes - eu murmurei. - Eu lamento pelo seu
aniversário.
- Não se preocupe com isso. Eu perdí o seu. Quantos você tem, quarenta?
Eu inalei. - Quase.
- Nós vamos fazer uma festa pra acertar as coisas.
- Parece um encontro.
Os olhos dele brilharam com a palavra.
Eu precisava controlar o entusiasmo antes de passar a idéia errada, é só que já havia muito
tempo que eu não me sentia tão leve e animada. A raridade do sentimento o deixava ainda mais
difícil de controlar.
- Talvez quando as motos estiverem prontas, nossos presentes pra nós mesmo - eu
acrescentei.
- Fechado. Quando é que você vai trazê-las?
Eu mordí meu lábio, envergonhada. - Elas estão na caminhonete agora - eu admití.
- Ótimo - ele pareceu ser sincero.
- Billy vai ver se as troxermos pra cá?
Ele piscou pra mim. - Seremos rapidinhos.
Nós saímos pelo leste, nos escondendo entre as árvores quando estavamos na vista das
janelas, fingindo não estarmos fazendo nada, só na dúvida.
Jacob tirou as motos rapidamente do fundo da caminhonete, levando elas pra escondê-las
onde eu estava entre os arbustos. Pareceu fácil demais pra ele - eu me lembrava das motos sendo
muito, muito mais pesadas que isso.
- Elas não estão muito ruins - Jacob observou enquanto nós as empurrávamos nos
esconderijos entre as árvores. - Essa daqui na verdade até vai valer alguma coisa quando estiver
pronta, é uma velha Harley Sprint.
- Essa é sua então.
- Tem certeza?
- Absoluta.
- Porém, elas vão gastar um pouco de dinheiro - ele disse, fazendo uma carranca olhando
pra o metal preto. - Nós vamos ter que juntar dinheiro para as peças antes.
- Nós nada - eu discordei. - Se você vai fazer isso de graça, eu pago pelas peças.
- Eu não sei... - ele murmurou.
- Eu tenho algum dinheiro guardado. Fundo pra faculdade, sabe.
Faculdade, bobagem, eu pensei comigo mesma. Não era como se eu tivesse economizado o
suficiente pra ir pra algum lugar especial- e além do mais, eu não tinha nenhuma vontade de
deixar Forks, do mesmo jeito. Que diferença faria se eu mexesse um pouco no dinheiro.
Jacob só balançou a cabeça. Tudo isso fazia sentido perfeitamente pra ele. Enquanto nós
nos esgueirávamos de volta para a garagem, eu contemplei minha sorte. Só um garoto
adolescente concordaria com isso: enganar nossos pais pra concertar veículos perigosos usando o
dinheiro que vinha da minha faculdade. Ele não parecia ver nada de errado nisso.
Jacob era um presente dos deuses.

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